Saturday 3 October 2009

Aprender Português

Neste dia, uma das melhores prendas que tive foi uma conversa sobre a língua japonesa com alguém que é verdadeiramente letrado no assunto e agora, aqui, vou expor algumas das ideias que flutuaram nessa conversa.
A primeira é que a língua japonesa é, ao contrário das línguas mais comuns na Europa, uma língua que, de modo a fazer formas gramaticais, não muda, aglutina. Isto é, a frase mais básica – uma declaração no presente sem condicionantes ou outras complicações que não conseguiria explicar – é sempre a fundação para construir qualquer edifício semântico e a sintaxe que lhe vai definir a arquitectura é apenas aglutinada no fim dessa forma base, usando para isso as modificações e adições ao verbo, que se encontra sempre no fim da frase. Isto tem vários problemas, em particular para o entendimento de quem estuda japonês e para quem trabalha no desmantelamento desta língua noutra. Para já, em termos de fluxo (e) de significado, se para dizer “Não quero comer” ou “Eu comi” se tem de dizer “Quero comer não” ou “Quero comer passado” (tradução bacoca) é muito mais difícil apanhar o significado da frase a meio, visto que o verbo e o que verdadeiramente define a frase (não e passado) está no fim. O exemplo é simples mas se tentarmos com “A casa do senhor Tanaka fui” e “A casa do senhor Tanaka fica à frente da estação” vemos que a meio da frase ainda não se sabe do que se fala. Agora imaginem o que é, para um tradutor, traduzir japonês em tempo real: basicamente tem de se esperar que acabe a frase e, quando finalmente a traduzimos, estar atento ao que se está a dizer para podermos traduzir de seguida a próxima ~ complicated stuff! Além disso, e talvez por esta razão, há formas muitíssimo intrincadas para dizer coisas que nos parecem simples. A minha preferida é de longe (talvez por desconhecimento das outras :) o ~nakereba narimasen. Este gigante linguístico liga-se ao fim de um verbo que, como já foi dito, está no fim da frase, para dizer que se tem uma obrigatoriedade em fazer o que o verbo manda. É como o nosso “Tens de fazer-comer-jogar-estudar-rir-vestir-etc”. A sua construção é complicada e, para nós, pouco lógica: primeiro o ‘na’ coloca o verbo usado na negativa (não comer, não estudar, não etc); de seguida o ‘kereba’ é a uma transformação do sufixo “eba”, que simboliza uma condição (se não comer, se não estudar, se não etc); e, por fim, o ‘narimasen' é a forma negativa formal do verbo naru que significa, à falta de melhor, “funcionar, dar, tornar” (ou algo do género), o que resulta em “se não comer não funciona”, ou seja, tem de comer. O que é engraçado é que as duplas negativas (normalmente representadas pelo nai) não param por aqui: é linguisticamente legal dizer “ikanai kerebanaranai kamushirei” :)
E com isto chegamos ao segundo ponto que queria salientar, quão difícil é para um japonês entender que, na língua portuguesa uma dupla negativa é uma negativa mais forte e não uma positiva. Para eles que tem uma língua que, pelo menos neste aspecto, é muito mais matemática, é tremendamente confuso o (português do brasil) exemplo, “não faço de jeito nenhum”. E a mesma coisa para o diálogo “Está servido? Não, obrigada.”, pois começa com uma pergunta cuja resposta negativa e respectivo agradecimento espera uma acção positiva.
Para finalizar, só para verem que o português que tenta apreender Japonês está melhor que japonês que tenta apreender Português: já imaginaram como é, para falantes de uma língua que não tem futuro, não tem vários tipos de passado, e não tem plurais, apreender a conjugar os verbos portugueses? ^_^

2 comments:

  1. Sempre soubeste que a tua língua era das mais avançadas senão a mais avançada em termos linguisticos, que o inglês como língua básica e bárbara toda a gente fala e agora estás a ver que nem mesmo o japonês nos supera linguisticamente falando.

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  2. Linguisticamente, talvez. Simbolicamente acho que temos muito que apreender :D

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