Saturday, 17 October 2009

O concerto de Koto

Hoje foi dos melhores e mais surpreendentes dias desde que cá cheguei. As aulas correram como sempre, com a aceleração já habitual, e, para o almoço, fomos convidados, toda a gente que usa o português como língua e expressão, para almoçar com uma professora de português daqui e uma simpática senhora que trabalha para a NIFS, a fundação internacional de Nara que promove eventos e dá informação todos os que por aqui passam, de visita ou não. A concerta, só por si foi interessante, em particular por essa senhora que tem um dinamismo e uma lucidez raramente vista por estas, ou outras, paragens. Mas o que verdadeiramente foi marcar o dia foi uma outra senhora – Rose-san – de origem Filipina, que estava lá como que caída do céu. Conversa puxa conversa e, aparentemente o meu charme (lol) ou magia (lolol) ou sorte (LOL) ou o que lhe quiserem chamar, também funciona em meninas d quarenta anos que parecem estar na casa dos vintes a passar para os trinta e, por entre um inglês misturado com japonês e uma conversa que passava pelo meu cabelo, por Jesus Cristo, personagem que, por aqui, aparentemente, encarno, pela viagem com a minha irmã no metro de Nova York onde lhe encontramos um indesejado marido, pela sociedade e emoção japonesa, pela religião no Japão, e outros temas, fui (fomos :) convidado para ir assistir, nessa mesma noite, a um concerto profissional de koto, um instrumento japonês de cordas, muitíssimo popular por estas bandas, em Oosaka. Como recusar tal maravilha e, paralelamente, como não ficar maravilhado com toda a velocidade, surpresa, invulgaridade e estranheza da situação?

Como combinado, exactamente às quatro e trinta e três, e depois de, de forma muito japonesa, entregar um /omiage (presente) à nossa simpatiquíssima anfitriã, estávamos todos a apanhar o comboio que nos levou a Oosaka. Passamos por muitas estações até ai desconhecidas, apanhamos, pelo caminho, mais algumas pessoas, que pouco ou nada de inglês falavam e, por fim, passado pouco mais de uma hora, estávamos no nosso destino. Na estação, ou melhor, nos confins labirínticos, urbanos e imensamente alienantes da mesma, comemos num restaurante em tudo tradicional, mantendo a conversa enquanto a expectativa crescia e, por fim, saindo do dédalo na rua slash avenida Mido-sujie, dirigimo-nos para o alto edifício de vidro do outro lado da rua onde, não coincidentemente, se encontrava o espaço onde o espectáculo tomaria forma.
Agora eu poderia falar no publico japonês e muito misturando o informal com o formal; poderia falar da proibição de filmagens, por haver material inédito, e de fotos, por perturbar o público envolvente de quem as tira; poderia falar nas condições do espaço, na limpeza e conforto das cadeiras; na beleza, quase zen, do ambiente que me envolvia. No entanto, apenas posso soltar suspiros vão para aquele que foi um dos melhores concertos a que tive o privilégio de assistir. Tudo foi perfeito: a mestria, por vezes surpreendentemente rápida, de quem tocava; a leveza, detalhe e naturalidade de todos os mais pequenos movimentos; a suspensão do tempo e do espaço no que se encontrava de frente dos nossos olhos; o cenário mutável e paradoxalmente assombrado de onde a música saía. A música. Nunca teria conseguido imaginar que koto, jushichigen e, ocasionalmente, voz, shamisen e shakuhachi, tivessem tal poder, virtuosismo, liberdade, emoção, diversidade, fluxo e clímax. As peças foram desde composições que tocavam o classicismo japonês, às modernas que pareciam tão esquizofrenicamente fantásticas e oniricamente surreais como os nomes, como, por exemplo, uma “mosca em cima de uma frigideira”, que, justamente, que lhes deram. A estupefacção sentida na quarta e sexta música nunca me sairá da cabeça.
Tenho também de mencionar três pessoas: uma, a terceira, filha dos japoneses que encontramos ao longo do caminho para Oosaka e, indirectamente, essencialmente a razão porque, naquele momento, assistimos a tamanha beleza. Depois, as duas estrelas mais brilhantes nesse firmamento. Uma delas, uma tranquila senhora, parecendo bastante alta para japonesa, que devia ter os seus cinquenta anos e que tocava com a leveza completamente impressionante de quem tem uma criança a brincar a controlar-lhe os movimentos; e, a outra, uma senhora, viemos a saber de sessenta anos (!) que, embora muitíssimo baixa, em tudo fazia lembrar um furacão de energia, actividade e haki musical, que, de resto, em tudo transpareceu para o palco, fosse a frente de um koto ou a cantar com um shamisen nas mãos. Elas, aparentemente eram as masterminds por detrás do grupo o que, dado as suas idades e perícia, não surpreende.

A única coisa que mudava nessa noite - dia – tão cheio de surpresas é o facto de não puder ter filmado o concerto, mas até isso, com sorte, é tratado: dada a “insistência”, depois de algumas perguntas de onde conseguiríamos re-ouvir o que tínhamos experimentado, foi-nos dito que teríamos a gravação da noite aquando essa fosse trabalhada ~ vamos ver se os japoneses são tão certinhos com parecem XD

PS: E tudo isto – comida, viagens concerto – oferecido. Por estarmos sozinhos no Japão, longe da família e dos amigos e da vida que tínhamos; por estarmos a dar o nosso melhor num pais estranho, assustador e tão diferente; por sermos, como dizem os japoneses, kawaisou (cuitadinhos), a pratica, japonesa, é não nos deixarem pagar nada, algo que, a certa altura causa algum constrangimento mas que nos deixa fascinados com a cultura, por vezes, simpaticamente nos abraça ^_^

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