Friday, 16 October 2009

Lição IV - Akira

Nem a propósito, a aula que terminou à hora que marca este post, foi, precisamente, sobre o Akira. No entanto a aula foi mais sobre o que é que é dito sobre a sociedade japonesa no Akira do que sobre o Akira. Eu tentarei expor aqui, os principais ou mais interessantes pontos. E by the way, antes de ler isto, quem ainda não viu essa magnifica monstruosidade, devia faze-lo. E sim, eu vou admitir que me escutaram XD

Primeiro e para verdadeiramente entender as implicações a situação das pricipais personagens, temos de olhar para o que é que elas são: Bosozoku. Os bosozoku, como muitos de vocês não devem saber, são os gangs de motas que andam pelo Japão. Até em Tenri, cidade religiosa por excelência, por vezes, na calada da noite, eu os oiço. Tipicamente esta gente tem motas grandes e, não raramente, muito mais trabalhadas que o normal, faz barulho a mais particularmente quando não é permitido, não param no vermelho e gostam – muito - de se mostrar exibindo as suas preciosas motas e o seu estilo, com cabedal como os motards dos USA, lenços à volta da cabeça como os pilotos kamikaze e simbolismos militaristas como do Japão pré-guerra, influenciado por outros contextos, que modificaram como sendo seu.
Mas, porquê a raiva que os divide e os faz sair da “sua” normalidade japonesa? Para isto temos de requer um bocadinho atrás até ao Japão pós-guerra, e até ao inicio destes gangs. Que ideia do Japão tem os nossos avós ou pais? (Sim, estou a falar para pessoal da minha idade, os com mais anitos que me acompanham, sei que vão perdoar esta discriminação ^^) Provavelmente, se perguntarem, vão-vos dizer que é um sítio onde se produz, modifica, ou melhora alta tecnologia e isso é exactamente a ideia do Japão que o governo do pos-guerra queria passar para o exterior. Para isso, toda e repito, pois é importante, TODA a produção do Japão, seja motas, carros ou electrodomésticos, estava a ser exportada nos anos sessenta, uma tendência que só desaparece bem no meio da sétima década. Agora imaginem como é que um japonês, que trabalha numa fabrica da, digamos, Yamaha ou Suzuki, ambas empresas criadas e pensadas no Japão, que todos os dias toma parte na construção de motas, que adora as próprias motas que ele constrói e que, paradoxalmente, não as consegue comprar por todos, sem excepção, irem para o mercado estrangeiro? Isso, com certeza, dará origem a alguma frustração. Se foram um jovem com muitos amigos, com o mesmo amor pelas de duas rodas, tal pode vir a dar origem a uma nova subcultura.
Mas isto apenas explica o porquê das motas e não porquê do gang, e requer uma outra visão sobre a sociedade japonesa: a separação de classes. Nós, de fora, como estrangeiros, vemos os japoneses todos iguais (na verdade, desde que cá estou isso é-me cada vez mais mentira): olhos em bico, fato e gravata, uniformes para aqui, uniformes para ali, malas negras, telemóveis de forma estandardizada, crianças com bonés amarelos na cabeça. E o que sentirão essas pessoas que são forçadas em tal sistema, onde a identidade quase que desaparece? Algumas, as que não tem a força de viver do seu pico (?), estarão nas suas quatro quintas. Mas as outras, sem dúvida, terão alguns problemas com tão violenta perda de identidade. Adicionar a essa Bokanovskyação (referência meio obscura ao Admiravel Mundo Novo ~ read it!) temos algo que, tantas vezes, como estrangeiros, nos passa completamente ao lado: os white colors (trabalhadores respeitados e com 'altos' cargos) e blue colors (trabalhadores menos bem vistos que fazem trabalho de uma natureza não tão complexa) da/na sociedade japonesa. O Japão está a mudar, mas, quase tradicionalmente, o percurso na vida de uma pessoa era decidido pela quantidade e qualidade de educação que essa pessoa recebia. Uma razão óbvia para a pressão nas crianças, que se não entrassem/entrarem numa boa universidade tem a vida estragada, e, sendo meio mauzinho, para o suicídio no Japão, é também um razão de revolta para muitos dos que sentem que essa não é a melhor maneira de construir e viver numa sociedade. Isto, é claro, como muitos terão dificuldade em entender, é pura percepção e construção social, visto que, em termos económicos, as diferenças entre quem está nas entradas das estações a picar os bilhetes de quem entra e quem está a gerir as estações não é assim tão abismal como, digamos, na América.
Então o que é que nós temos? Uma sociedade em que não se pode comprar as motas e as coisas que são produzidas, que rebaixa socialmente todos aqueles que não encaixam naquilo que se diz ter de ser feito por todos, e que retira de forma quase Huxleyana (lol) a individualidade. Não admira que algo como os Bosozoku tenha sido gerado. Estes, por sua vez, forjam uma nova identidade com seu grupo, as suas motas, as suas roupas, a sua independência e as suas regras, totalmente diferentes e sem qualquer ligação com a sociedade que não aceitam e que não os aceitou. E, também de modo meio lógico, a melhor maneira de expor essa mesma identidade, tão diferente e tão “deles” é mostra-la de todas as maneiras possíveis aos “outros”? Numa sociedade em que todos os pregos que saem são re-martelados, numa sociedade que em que o dar nas vistas, mais do que despropositado é, quase, temido e visto como uma coisa impossível por (quase) todos os que têm esse pensamento, que melhor maneira para dizer ‘Nós não somos iguais a vocês, formigas insignificantes afogadas no esterco irrespirável do suor abafado dos que vos são iguais!’ (as catorze últimas palavras da minha autoria mental... provavelmente :)?

Depois de tal e exploração, com muitos mais detalhes do que aqui apresentados, da vida japonesa, fomos para o anime em si em que a violência do gang, a corrupção da sociedade, a perdição das mentes, a atitude colectiva e a tecnologia são exacerbadas umas quantas milhas acima do nosso tempo. Fala-se da destruição social, não esquecer que o filme começa e termina com uma bombas a destruir a cidade, necessária para uma renovação que não parece acontecer; fala-se do herói da história, como alguém que, pelos seus valores e integridade, embora não dentro da sociedade normal, merece, mais do que os restantes, er salvo; fala-se do anteriormente protegido e, por isso mesmo, revoltado e posteriormente super-poderoso e sem controlo sobre si Tetsuo, o anti-herói e personagens principal; fala-se da bomba viva, no filme dolorosamente literal, que é a raiva interna, a injustiça e a falta de entendimento da presente situação; fala-se da emoção como enzima para o poder, algo que é recorrente em virtualmente todo o anime, e, neste caso, a destruição; toca-se nas inúmeras sub-plots tocadas no filme e completamente exploradas na manga e, por fim, por intervenções não planeadas, no aspecto técnico e referencial dentro do espectro da animação japonesa. A aula, essa, facilmente esquecida entre o interesse da mesma, acaba com a visualização dos quinze primeiros, e altamente violentos, minutos do filme.

Happy class indeed.



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