Sunday 27 September 2009

Tenrikyo tsukinamisai

Muitos não devem saber mas Tenri é uma cidade religiosa. Mais do que isso, pode ser considerada a cidade religiosa, semelhante ao Vaticano e a Meca, por todos os que seguem a religião Tenrikyo, ou caminho de lógica divina. Esta foi criada a vinte e seis de Outubro de mil oitocentos e trinta e oito, após uma revelação divina à mulher que viria a ser chamada de Oyasama.
Ainda não aprofundei esta religião mas à coisas que acho engraçadas na sua concepção. Para já, meio obviamente, tem uma plenitude de "inspirações" budistas e xintoístas, como pode ser verificado pelos visuais dos seus praticantes, pelo uso de gagaku e gagaku-like music nas suas cerimónias, e pelos seus templos e altares. É uma religião monoteísta e uma das três únicas no mundo (adivinhem quais são as outras duas) que foi formada depois de um momento de inspiração divina e a maior que teve como fundador uma mulher. É tanto uma religião como um conjunto de práticas e ensinamentos e, sendo assim, proíbe pouco ou nada aos seus seguidores, incluindo o acreditarem em outras fontes divinas e/ou religiões. O seu centro, pelo que entendi, está na formação de um "mundo feliz" que se pode atingir através de um processo de melhoramento da alma, entre reencarnações, pela ajuda ao próximo, a reflexão interior e à construção pessoal e social. Isto, pelo que tenho visto faz muito sentido e encaixa na perfeição no modo japonês de viver a vida e de ver a religião.

Hoje, dia vinte e seis de Setembro, é dia de uma celebração mensal, o, como o nome do post diz, tsukinamisai, que neste mesmo dia se faz, de modo a celebrar o nascimento da religião e, embora não seja um seguidor nem me seja particularmente agradável acordar às oito da manha para ir ver rituais de religiões estranhas, a curiosidade e interesse levaram a melhor e venceram o conforto dos lençóis.
Obviamente, eu já tinha visto o templo de fora, mas o impacto que este tem quando está recheado, para mim surpreendentemente recheado, de pessoas de todas as idades é incrível. Mais do que isso, dentro do templo não há nada mais do que um espaço amplo, muito amplo, com ocasionais colunas de madeira entre os tatamis que o cobriam completamente, um espaço para as leituras e música, com muitos instrumentos tradicionais japoneses, como o hyoshigis, o tsuzumis, dois taikos dourados enormes e decorados com um símbolo negro do muito parecido com o sharingan e já falados shamisens, que lhe davam um ar igual ao que polvilha a imaginação de quem sonha com o Japão, e, por fim, uma zona descida uns cinco metros onde se encontravam as oferendas para Oyasama, entre aos quais montes de comida com excelente aspecto.
À medida que se aproximavam as nove horas, onde começam as celebrações, o vasto templo começou a encher e, a dada altura, quando olhei para trás, estava cheio. Isso também me surpreendeu, não exactamente pela quantidade de pessoas mas pela atmosfera que delas emanava. Parecia mais uma saída muito alargada a um evento lúdico do que a ida a qualquer igreja cristã em que tenha estado: exactamente como uma religião deve ser (suponho eu).

O ritual, ou missa, ou evento, ou celebração, teve início às nove com a entrada de Shimbashira-sama, que é o equivalente ao Papa na religião católica. Este trazia consigo umas quantas pessoas que, respeitosamente se sentaram atrás dele. Nesta altura, todas as pessoas que estavam no massivo templo estavam sentadas pois, aparentemente, é proibido estar de pé e isso dificultou muito a visualização de uma das partes mais interessantes da cerimónia. Dez pessoas, vestidas a rigor, vão para o zona mais descida, descendo em sincronismo de todos os lados da mesma, onde se encontram as oferendas e, depois colocam, secretamente, as máscaras simbolizando as dez providencias que Deus deu à humanidade. Depois disso, seguiu-se um pequeno discurso de Shimbashira-sama, lido de um pergaminho, de cima para baixo e da direita para esquerda, como manda a língua e a tradição. Aquando do termino deste e, se a memória não me falha, também no seu início, todas as pessoas do templo se colocaram na posição, sentada, de respeito – com as pernas debaixo das cochas – e num uníssono perfeito, como se tivesse sido ensaiado, batem quatro vezes palmas, resultando numa poderosíssima manifestação de união. Foi a primeira vez, de várias, em que eu pensei “Chiça! Isto parece uma religião. Mas … isto /É uma religião”.

Depois, Shimbashira-sama levantou-se e andou à volta da zona de oferendas, tendo vénias dos presentes enquanto passava – assustador! :) – e sentando-se na sua borda deu o sinal invisível para o prato forte do dia começar: as danças. Como disse, a Tenrikyo acredita que houve dez providências que nos foram dadas por Deus. Tais são representadas por uma capacidade do homem, uma providência para o mundo, um animal, um ponto do céu estrelado, uma canção, uma dança e, quem sabe, outra simbologia que me escapa. As danças e as canções, cantadas em japonês, muito parecidas entre si, mas, em vários pormenores percepcionados pelo olho atento, distintas foram criadas por Oyasama e são acompanhados por um estilo musical, também, criado por ela para esse efeito. A música que dai resulta - Mikagura-Uta – é imersiva e quase hipnótica, tendo muito da aura do gagaku e a coreográfia lembra katas de uma arte marcial dançada, totalmente não violenta, que, por vezes, até leques usa. Digo "por vezes" pois, como nem tudo são rosas, e sendo esta cerimonia o tsukinamisai, as dez danças foram efectuadas… o que demorou mais de duas horas! Embora se entre facilmente em transe e,embora música nos funda com os nossos pensamentos, o tempo e o conforto reduzido dos tatamis fazem a experiência ser um tanto longa de mais.
Nesta altura, mesmo os mais devotos fiéis, quer dizer, esses não, porque estavam a dançar
no seu lugar, para eles mesmos, cada uma das danças, mas todos os outros, se permitiam a uma certa descontracção distraia, fora a ocasional prece de mãos em certas alturas das canções. Por esta altura uma simpática senhora, com os seus quarenta e muitos anos, meteu, através de um papel escrito em inglês macarrónico, conversa comigo: perguntando-me o nome, qual a minha igreja (lol) e o que estava eu a fazer ali, entre outras coisas. Nunca pensei que estabelecer conversas com pessoas desconhecidas, no meio de um ritual religioso do outro lado do mundo fosse tão fácil mas, não obstante essa, que correu bastante bem e acabou com uma oferenda de omiagi - na foto, salgados japoneses cujo sabor variava entre o peixe e o puro sal, não é a melhor coisa de sempre :s - da parte da simpática senhora, logo a seguir um senhor nos seus cinquenta, provavelmente inspirado, mete também conversa. E o melhor disso é que, vá eu a Himeji ou Tokyo, aparentemente, já tenho quem me faça de cicerone :)

Depois das longas danças terminarem, com umas sonoras quatro palmas da parte de toda a gente, um dos sacerdotes fez um discurso, em japonês, do qual eu só entendi, por ironia do destino, a palavra “wakaranai” - não entendo - e quatro outras mais. Por fim, mais quatro palmas e a longa cerimónia terminou. Mas o que se seguiu é que verdadeiramente me chocou. Mesmo depois das quase três horas e meia, mais de metade das pessoas continuaram dentro do enorme templo, a rezarem ou fazerem a versão sentada das danças. Além disso a quantidade de gente que estava, muito depois do fim, sentada nas soleiras das portas, nas escadas e no próprio templo, simplesmente a falar é, no mínimo, surpreendente. Como se o templo se tivesse transformado num café ou num espaço lúdico de convívio ou um local de um qualquer evento de confraternização, conhecimento, empatia e partilha, tal como a aura do início da ceremonia apontava A religião pode ser estranha, ter máscaras, ter duas horas de danças, ter tudo em japonês, mas lá que se aproxima mais do meu conceito de religião do que qualquer religião que tenha visto em Portugal, lá isso aproxima.


Obviamente não é permitido tirar fotos à cerimónia em si ~ zannen desu ne


3 comments:

  1. mushi mushi nha ^^

    lol é tão fácil imaginar uma senhora japonesa com ar simpático a chegar-se a ti e a meter conversa contigo para depois te oferecer uns petiscos e fazer o favor de te orientar caso queiras ir a tokyo ou himeji. sim, com os japoneses é fácil imaginar esse tipo de cortesias e amabilidades.



    sim, é assim que uma religião deve ser lol. eu sou xintoísta :D
    lol

    by the way... islamismo e.. a outra, não sei bem, mas arrisco a fé baha'í lol :P


    Jezebell


    *

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  2. eu diría que é impossivel ser xintoista ou budista em porgtugal, pois é uma coisa que so funciona se ouver uma comunham social com a religiao ... mas isso, com sorte, será falado depois ^^

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  3. yay
    :D

    lol
    obviamente que estava a brincar lol

    ´J
    *

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