Não é que eu tenha morrido ~ longe disso! Mas a situação por aqui, com as mudanças e as despedidas e os exames e as viagens e as coisas não me deixam dedicar tanto tempo quanto quereria/deveria a este espaço. Alas, hoje faz-se uma espécie de ponto da situação.
Por aqui, acabou de acabar a época das chuvas. A horrivelmente molhada, sufocante inibitória época das chuvas. Nas piores alturas, sair de casa significava dar um mergulho numa atmosfera com noventa e nove por cento de humidade que de mão dada ia com um calor sufocante. É engraçado ver como o suor de dentro e a chuva de fora se podem confundir de forma tão perfeita. E claro, foi giro estar no meio de tempestades tropicais em que a chuva molha mas não esfria ^_^
Agora, o Verão japonês planeia avançar dolorosamente, ainda nem estamos em Agosto mas já o céu azul ameaça temperaturas que não ficam atrás dos piores momentos de Portugal ... sem esquecer que, por aqui, não há uma abundância de praias.
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Hoje foi o exame final de kanji e de leitura. Eu deixo a analise do de kanji para outras alturas em que a memória esteja menos danificada e passo para a surpresa do dia e, afinal, a razão deste post. O exame de leitura é, no fundo, ler um texto e mostrar que o entendemos respondendo a algumas perguntas. Não surpreendentemente entender o texto é muito mais fácil que responder às perguntas mas, em geral, não é nada que não se faça com mais ou menos dificuldade. Os textos, tanto os do exame de hoje como os dos exercicios passados, tem como tópicos, em geral, partes ou histórias ou curiosidades da cultura japonesa.
O exame de hoje vinha em duas partes. O primeiro texto falava sobre um reencontro entre dois amigos, mais de quarenta anos depois, e de como a amizade dos dois se baseava (e, depois do encontro, se continua a basear) no facto de ambos gostarem de ... pescar. Isto pode parecer estranho, em particular com todas as idiossincrasias que o texto explicitava mas, por estes lados orientais, não é algo que eu não veja acontecer de forma mais ou menos normal. Já se sabia que os orientais em geral e os japoneses em particular tem uma maneira muito particular, i.e. fundamentalmente diferente, de ver as relações humanas e os sentimentos de que delas advém mas nada disso me podia preparar para o segundo texto, repito, do exame final.
Este texto falava, de forma muitíssimo detalhada sobre a infância de uma criança que perde o pai com uns sete ou oito anos. O testo começava com a frase "quando estava no primeiro ano da escola, o meu pai morreu " e continuava a explicar a vida que o pai levava - workaholic, nunca em casa, a viajar para o estrangeiro, ausente e sempre ocupado - como ele morreu - quando estava a beber sake com os clientes e caio para o lado depois de fazer uma cara de dor - como ele (a criança) foi acordado pelo telefone numa noite fria de Fevereiro e como a mãe o levou ao hospital onde o pai, que já nada falava, estava; como a mãe dele, durante muito tempo depois, chorava fortemente; como a vida de casa mudou com a necessidade da mãe arranjar um trabalho e a solidão e tristeza sentida - aqui detalhes mórbidos como o facto dele fechar a porta de casa depois da mãe sair ou o facto dele esperar por ela depois da escola sozinho coma sua dor - e, por fim, como ele, repito, uma criança de sete ou oito anos, se sentia triste e em lágrimas cada vez que via crianças da mesma idade a saírem de casa com os pais para irem a qualquer lado e como ele não tinha a coragem para pedir o mesmo à mãe vendo quão cansada ela sempre estava a trabalhar sete dias por semana. E sim, isto tudo num exame final, mesmo sem saber que tipo de famílias, relações e traumas tem os alunos que tem de, obrigatoriamente, fazer o teste. Agora, corrijam-me se eu estiver enganado: em Portugal e provavelmente no resto da Europa (não sei quanto às Américas) isto nunca acontecia pois não?
No fim do exame, chocado, fui perguntar ao professor porque é que o texto era tão triste e ele responde-me, com uma cara de incredibilidade, "não é nada triste, é normal". Eu ainda não sei bem o que é, mas de uma coisa eu tenho a certeza absoluta: os japoneses não têm, vêem, sentem e pensam as relações e emoções como nós, povos não asiáticos, o fazemos.